segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Jung Explica a Sincronicidade







Jung Explica a Sincronicidade

(continuação)

O sentimento do déjà-vu [sensação do já visto] se baseia, como tive oportunidade de verificar em numerosos casos, em uma precognição do sonho, mas vimos que esta precognição ocorre também no estado de vigília. Nestes casos, o puro acaso se torna extremamente improvável, porque a coincidência é conhecida de antemão. Deste modo, ela perde seu caráter casual não só psicológica e subjetivamente, mas também objetivamente, porque a acumulação dos detalhes coincidentes aumenta desmedidamente a improbabilidade (Dariex e Flammarion calcularam as probabilidades de 1:4 milhões a 1:800 milhões para mortes corretamente previstas). Por isto, em tais casos seria inadequado falar de "acasos". Do contrário, trata-se de coincidências significativas. Comumente os casos deste gênero são explicados pela precognição, isto é, pelo conhecimento prévio. Também se fala de clarividência, de telepatia, etc., sem, contudo, saber-se explicar em que consistem estas faculdades ou que meio de transmissão elas empregam para tornar acontecimentos distantes no espaço e no tempo acessíveis à nossa percepção. Todas estas ideias são meras nomina [nomes]; não são conceitos científicos que possam ser considerados como afirmações de princípio. Até hoje ninguém conseguiu construir uma ponte causal entre os elementos constitutivos de uma coincidência significativa.

Coube a J. B. Rhine o grande mérito de haver estabelecido bases confiáveis para o trabalho no vasto campo destes fenômenos, com seus experimentos sobre a ESP (extrasensory-perception). Ele usou um baralho de 25 cartas, divididas em 5 grupos de 5, cada um dos quais com um desenho próprio (estrela, retângulo, círculo, cruz, duas linhas onduladas). A experiência era efetuada da seguinte maneira: em cada série de experimentos retiravam-se aleatoriamente as cartas do baralho, 800 vezes seguidas, mas de modo que o sujeito (ou pessoa testada) não pudesse ver as cartas que iam sendo retiradas. Sua tarefa era adivinhar o desenho de cada uma das cartas retiradas. A probabilidade de acerto é de 1:5. O resultado médio obtido com um número muito grande de cartas foi de 6,5 acertos. A probabilidade de um desvio casual de 1,5 é só de 1:250.000. Alguns indivíduos alcançaram o dobro ou mais de acertos. Uma vez, todas as 25 cartas foram adivinhadas corretamente em nova série, o que dá uma probabilidade de 1:289.023.223.876.953.125. A distância espacial entre o experimentador e a pessoa testada foi aumentada de uns poucos metros até 4.000 léguas, sem afetar o resultado.
Uma segunda forma de experimentação consistia no seguinte: mandava-se o sujeito adivinhar previamente a carta que iria ser retirada no futuro próximo ou distante. A distância no tempo foi aumentada de alguns minutos até duas semanas. O resultado desta experiência apresentou uma probabilidade de 1:400.000.

Numa terceira forma de experimentação o sujeito deveria procurar influenciar a movimentação de dados lançados por um mecanismo, escolhendo um determinado número. Os resultados deste experimento, dito psicocinético (PK, de psychokinesisj, foram tanto mais positivos, quanto maior era o número de dados que se usavam de cada vez.
O experimento espacial mostra com bastante certeza que a psique pode eliminar o fator espaço até certo ponto. A experimentação com o tempo nos mostra que o fator tempo (pelo menos na dimensão do futuro) pode ser relativizado psiquicamente. A experimentação com os dados nos indica que os corpos em movimento podem ser influenciados também psiquicamente, como se pode prever a partir da relatividade psíquica do espaço e do tempo. [969] O postulado da energia é inaplicável no experimento de Rhine. Isto exclui a ideia de transmissão de força. Também não se aplica a lei da causalidade, circunstância esta que eu indicara há trinta anos atrás. Com efeito, é impossível imaginar como um acontecimento futuro seja capaz de influir num outro acontecimento já no presente. Como atualmente é impossível qualquer explicação causal, forçoso é admitir, a título provisório, que houve acasos improváveis ou coincidências significativas de natureza acausal.

Uma das condições deste resultado notável que é preciso levar em conta é o fato descoberto por Rhine: as primeiras séries de experiência apresentam sempre resultados melhores do que as posteriores. A diminuição dos números de acerto está ligada às disposições do sujeito da experimentação. As disposições iniciais de um sujeito crente e otimista ocasionam bons resultados. O ceticismo e a resistência produzem o contrário, isto é, criam disposições desfavoráveis no sujeito. Como o ponto de vista energético é praticamente inaplicável nestes experimentos, a única importância do fator afetivo reside no fato de ele ser uma das condições com base nas quais o fenômeno pode, mas não deve acontecer. Contudo, de acordo com os resultados obtidos por Rhine, podemos esperar 6,5 acertos em vez de apenas 5. Todavia, é impossível prever quando haverá acerto. Se isto fosse possível, estaríamos diante de uma lei, o que contraria totalmente a natureza do fenômeno, que tem as características de um acaso improvável cuja frequência é mais ou menos provável e geralmente depende de algum estado afetivo.

Esta observação, que foi sempre confirmada, nos mostra que o fator psíquico que modifica ou elimina os princípios da explicação física do mundo está ligado à afetividade do sujeito da experimentação. Embora a fenomenologia do experimento da ESP e da PK possam enriquecer-se notavelmente com outras experiências do tipo apresentado esquematicamente acima, contudo uma pesquisa mais profunda das bases teria necessariamente de se ocupar com a natureza da afetividade. Por isto, eu concentrei minha atenção sobre certas observações e experiências que, posso muito bem dizê-lo, se impuseram com frequência no decurso de minha já longa atividade de médico. Elas se referem a coincidências significativas espontâneas de alto grau de improbabilidade e que consequentemente parecem inacreditáveis. Por isto, eu gostaria de vos descrever um caso desta natureza, para dar um exemplo que é característico de toda uma categoria de fenômenos. Pouco importa se vos recusais a acreditar em um único caso ou se tendes uma explicação qualquer para ele. Eu poderia também apresentar-vos uma série de histórias como esta que, em princípio, não são mais estranhas ou menos dignas de crédito do que os resultados irrefutáveis de Rhine, e não demoraríeis a ver que cada caso exige uma explicação própria. Mas a explicação causal, cientificamente possível, fracassa por causa da relativização psíquica do espaço e do tempo, que são duas condições absolutamente indispensáveis para que haja conexão entre a causa e o efeito.

O exemplo que vos proponho é o de uma jovem paciente que se mostrava inacessível, psicologicamente falando, apesar das tentativas de parte a parte neste sentido. A dificuldade residia no fato de ela pretender saber sempre melhor as coisas do que os outros. Sua excelente formação lhe fornecia uma arma adequada para isto, a saber, um racionalismo cartesiano aguçadíssimo, acompanhado de uma concepção geometricamente impecável da realidade. Após algumas tentativas de atenuar o seu racionalismo com um pensamento mais humano, tive de me limitar à esperança de que algo inesperado e irracional acontecesse, algo que fosse capaz de despedaçar a retorta intelectual em que ela se encerrara. Assim, certo dia eu estava sentado diante dela, de costas para a janela, a fim de escutar a sua torrente de eloquência. Na noite anterior ela havia tido um sonho impressionante no qual alguém lhe dava um escaravelho de ouro (uma jóia preciosa) de presente. Enquanto ela me contava o sonho, eu ouvi que alguma coisa batia de leve na janela, por trás de mim. Voltei-me e vi que se tratava de um inseto alado de certo tamanho, que se chocou com a vidraça, pelo lado de fora, evidentemente com a intenção de entrar no aposento escuro. Isto me pareceu estranho. Abri imediatamente a janela e apanhei o animalzinho em pleno vôo, no ar. Era um escarabeídeo, da espécie da Cetonia aurata, o besouro-rosa comum, cuja cor verde-dourada torna-o muito semelhante a um escaravelho de ouro. Estendi-lhe o besouro, dizendo-lhe: "Está aqui o seu escaravelho". Este acontecimento abriu a brecha desejada no seu racionalismo, e com isto rompeu-se o gelo de sua resistência intelectual. O tratamento pôde então ser conduzido com êxito.

Esta história destina-se apenas a servir de paradigma para os casos inumeráveis de coincidência significativa observados não somente por mim, mas por muitos outros e registrados parcialmente em grandes coleções. Elas incluem tudo o que figura sob os nomes de clarividência, telepatia, etc., desde a visão, significativamente atestada, do grande incêndio de Estocolmo, tida por Swedenborg, até os relatos mais recentes do marechal-do-ar Sir Victor Goddard a respeito do sonho de um oficial desconhecido, que previra o desastre subsequente do avião de Goddard.

Trecho extraído do livro: Sincronicidade – Carl Gustav Jung